Caros amigos,
Peço licença a vocês para interromper os relatos de minha viagem para uma reflexão que acredito ser deveras pertinente.
Hoje, domingo, 06 de fevereiro de 2011, estava voltando de Santo Antônio de Jesus para Salvador. Tinha ido lá para visitar os parentes de minha esposa, que nasceu lá.
Estava na BR-101, mais ou menos uns 10 km depois da ponte da barragem de Pedra do Cavalo. Eram mais ou menos 18:30. Fiquei atrás de um carro, uma pick-up de carroceria fechada.
O carro bambeava para um lado e para o outro. Eu comentei com minha esposa que o motorista poderia estar bêbado, mas parecia que ele levantava a mão. Parecia estar discutindo com alguém. Ficamos na dúvida, mas percebemos que parecia não haver ninguém no banco do carona.
O carro ia de um lado para o outro. A luz de trás estava queimada. Decidi me afastar um pouco. Os carros que estavam atrás de mim, pareciam não entender e davam sinal de luz para eu sair da frente ou acelerar. Eu saí da frente e um deles me ultrapassou. Quando ele foi ultrapassar a pick-up, ela quase bateu no carro que o ultrapassava.
Eu logo pensei: - Assim que passarmos pelo posto da Polícia Rodoviária Federal, eu vou avisar para que parem o carro.
Quando chegamos perto do posto da PRF, eu reduzi e fiquei olhando para ver se via algum policial, mas não consegui ver nenhum do lado de fora do posto e acabei passando. Uns 200 metros na frente eu falei: - Que irresponsabilidade! Eu tinha que ter parado.
Logo depois, passamos por uma ponte e a pick-up quase bateu no guard rail. Quando desviou, quase bateu num carro na pista oposta. A colisão só não ocorreu por que o carro que vinha, desviou de forma brusca. Eu já estava pensando de novo em algo para fazer, quando vi, mais uma vez, ele dirigir-se para o acostamento da pista. Então, a luz do freio dele acendeu e eu pensei: - Meu Deus!!! Ele atropelou alguém!!!
Depois disso, só vi uma sandália havaianas branca sair pelo fundo do carro e depois a pick-up pulando por cima de algo. Logo depois da sandália, o que apareceu foi o corpo de uma mulher rolando até a grama no acostamento. A pick-up então acelerou. Eu prontamente parei o carro. Falei para minha esposa ligar para alguém, liguei o pisca-alerta e saí correndo em direção à mulher já meio sem esperança devido ao que eu tinha visto. Cheguei perto e percebi que ela não mais respirava e estava sem sinais vitais, com ambos os braços e pernas contorcidos e a cabeça torta.
Mesmo para um estudante de medicina do sexto ano, que é o meu caso. Mesmo passando por 06 meses de estágio no HGE. Nada compara-se à sensação que tive na hora. Principalmente a sensação de que eu poderia ter feito algo para que aquilo não tivesse acontecido. Na hora eu só não chorei por que a adrenalina estava explodindo em mim. A frase “Eu fui irresponsável!!” não saía da minha cabeça. Voltei correndo para o carro e chegando perto, vi uma pessoa vindo de bicicleta. Informei o ocorrido e pedi para que ele avisasse a polícia. Ele disse que ia correndo até em casa, pois ele morava perto e ligaria para a PRF.
Eu lembrei então que passamos pela PRF havia poucos quilômetros. Falei para minha esposa entrar no carro e dei a volta. Chegando lá, os policiais tinham acabado de receber uma ligação informando o ocorrido. Eu então dei as características e a placa da pick-up e tentei me acalmar. O problema é que só tinha uma viatura da PRF e um meliante estava sendo mantido algemado no fundo dela. Eles estavam se arrumando para levá-lo a uma delegacia ou algo do tipo. Não poderiam ir atrás da pick-up. Eu e minha esposa saímos do carro e estávamos nos acalmando.
“A sensação era muito ruim. A frase “Eu fui irresponsável!!” continuou latejando em minha cabeça. Principalmente por que eu comecei a lembrar de um debate que havia participado na quarta-feira, em que discutimos um texto intitulado: “Aconselhar e não julgar”. No texto, se falava que deixar de aconselhar alguém que está caminhando para algo perigoso, é essencialmente o mesmo que julgá-lo. Um exemplo bom disso é uma criança que está brincando de andar sobre um muro ou algo do tipo. A irresponsabilidade que se tem de não avisá-la de sua situação perigosa é a mesma de quem a trata com desdém ao avisá-la de sua situação, julgando-a burra, mal-educada, inconseqüente, ou algo que equivalha. Em ambos os casos, estaremos jogando-a muro abaixo, a diferença pode estar apenas em quanto tempo isso demore para acontecer, o tamanho da queda e de que muro ela cairá.
Ou seja, deixar de agir, é tão ruim quanto agir de forma errada!
Mais uma vez, o equilíbrio mostra-se como a mola mestra para que possamos viver de forma harmônica no nosso dia-a-dia.”
Enquanto estava lá no posto da PRF, o policial que havia ficado no posto ainda recebeu mais uma chamada de rádio informando que já tinham ligado sobre o mesmo carro, com a mesma placa e características entrando no distrito de Humildes cambaleante. Depois, outro rádio informando a confirmação da fatalidade da moça e solicitando o rabecão.
Perguntei ao policial se ainda poderia ajudar em algo. Ele me respondeu que não e seguimos viagem para Salvador.
No caminho, a frase ainda continuava latejando. E eu pensei exatamente que estava sentindo culpa por não ter parado e avisado ao posto da PRF sobre a pick-up.
Nossa mente, para fugir da culpa, tenta logo justificar. Me veio na cabeça e minha esposa também falou que, se tivéssemos parado para avisar a PRF, não teria adiantado, pois o acidente ocorreu 1 ou 2 quilômetros depois. Não haveria tempo de parar, chamar os policiais e fazer a diligência para pegar a pick-up. Até por que, nem sabíamos se eles iriam acreditar em nós e saírem para pegar a pick-up.
Porém, os acontecidos do futuro não influenciam na avaliação que fazemos de uma decisão que tomamos quando não sabíamos o que ia acontecer. Que eu deveria ter parado, é um fato. Porém, devemos assumir a responsabilidade pelos nossos atos e não nos sentirmos culpados. Há uma grande diferença nisso! A culpa não ajuda, apenas nos maltrata e, muitas vezes, impede que levemos nossas vidas de forma natural. Se ela existe, é por uma razão, mas é algo que prefiro escrever sobre em uma outra oportunidade.
Dan, já vi algo parecido mas no meu caso o acidente não se concretizou. Não passei por um posto da PRF mas me senti culpado por não ter tentado ligar. Durante o fato me senti muito preocupado com minha própria segurança, acho que meu instinto de auto proteção me bloqueou os pensamentos de "ajudar ao próximo". Apesar de manter distância, temia muito a cada passagem de uma carreta, onde as massas e a quantidade de movimento poderiam me envolver num acidente mesmo me mantendo atrás e distante...
ResponderExcluirNo meu caso o irresponsável pegou uma pista secundária me liberando a passagem. Ele brigava com uma mulher que e esta puxava o volante como se estivesse decidida a parar o veículo mesmo que por um acidente. É lamentável que um inocente tenha pagado com sua vida, espero que ele seja responsabilizado pela irresponsabilidade.